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O Não Positivo

Aprendendo a dizer não.

Existe uma visão comum de que a solução de conflitos é a busca pelo SIM, pelo denominador comum entre as partes, que as pessoas, de modo geral, tem dificuldade em ceder, dizer SIM e fazer acordos.

Quando o que eu vejo mais comumente é o contrário, o SIM sendo dito com facilidade excessiva, no afã de encerrar um assunto rapidamente. Nessa ânsia de encontrar um denominador comum as conversas necessárias porém difíceis são empurradas para baixo do tapete, talvez porque falte ferramentas emocionais para lidarmos, na rotina diária, com o desconforto, com nossos limites e os limites do outro, com as conversas difíceis e os temas áridos.

Nos próximos parágrafos vou te mostrar como o NÃO bem construído aproxima pessoas e preserva a convivência pacífica no longo prazo, ao contrário do que a visão inconsciente predominante.

Dizer NÃO e estabelecer limites de forma eficaz e cortês é uma das ferramentas mais úteis da vida cotidiana.

Me diga, você alguma vez se viu no ciclo vicioso de alguma dessas atitudes: Acomodar – Atacar – Evitar? 

Funciona assim, alguém lhe faz uma solicitação – pode ser na sua vida pessoal ou profissional – e apesar de desejar dizer NÃO naquele momento, reafirmar seus valores e estabelecer seus limites, você ACOMODA a solicitação e diz SIM para alcançar algum tipo de paz (apesar de falsa e temporária) ou pelo conforto da manutenção do status quo. ATACAR é o comportamento oposto. Confrontado com uma situação em que você se sente ofendido(a), frustrado(a), magoado(a) você parte para o ATAQUE – essa atitude é baseada na raiva e essa forma de dizer NÃO usualmente chuta o relacionamento para o meio fio. Por fim, a terceira atitude que você – e eu – já usamos é EVITAR, não dizemos sim, não dizemos não, dizemos nada e fingimos que o assunto não é conosco.

Essas três atitudes podem ser isoladas, ou podem ser usadas em conjunto (e a ordem dos fatores não altera o produto). Respire fundo, relaxe e traga à mente a última vez em que você acomodou alguma solicitação/situação – apesar de não querer – depois ressentiu-se do fato e evitou o assunto como fingindo que não era de sua conta, e quando o assunto não podia mais ser ignorado, você atacou, atacou a situação, atacou as pessoas envolvidas, atacou o resultado gerado ou atacou os três. Esse ciclo poderia ter sido evitado se lá no início um NÃO tivesse sido dito.

Evitar conflitos – tanto pessoais como no ambiente de trabalho é mais simples e menos trabalhoso do que solucionar conflitos já consolidados. Quer evitar conflitos, proteger seus relacionamentos e proteger seus objetivos? Aprenda a dizer um NÃO eficaz e cortês.

Caso tenha ficada alguma dúvida, para deixar bem claro que a capacidade de dizer NÃO eficazmente é valiosa no ambiente corporativo vou dar um exemplo próximo recente: um amigo tentava dizer a seus superiores que determinado projeto de seu departamento estava em risco de dar errado devido aos prazos estabelecidos para as entregas, seus superiores estavam no módulo EVITAR e por alguma razão ele não conseguiu dizer um NÃO eficaz naquele momento. Seus superiores lhe solicitaram que continuasse o desenvolvimento do produto, ele entrou no módulo ACOMODAR e seguiu, quatro meses depois ficou evidente a todos o risco que meu amigo já tinha visto quatro meses antes. O projeto precisou ser reiniciado e o prejuízo para a empresa foi de mais de 1,2milhão de Reais em recursos financeiros. Um NÃO eficaz teria evitado a perda financeira, a perda de tempo e a perda de reputação da equipe envolvida.

E como fazer isso então? Uma das formas é usar o que William Ury* chama de NÃO POSITIVO, ele está espremido entre dois SIMs: SIM – NÃO – SIM. O primeiro sim são os valores ou a percepção macro que te leva a dizer aquele NÃO; o NÃO em si é o limite que você pretende estabelecer; o segundo SIM são os próximos passos, ou uma proposta de como funcionará esse relacionamento/situação no futuro.

Vou dar um exemplo, recentemente uma colega de trabalho me perguntou se eu poderia iniciar um novo projeto com ela, eu não tenho tempo para investir em um novo projeto sem prejudicar os projetos atuais, eu respondi algo assim: “eu estou focada em levar os projetos X e Y até seu final, preciso ter os entregáveis desses dois projetos até dezembro – esse foi meu primeiro SIM – se eu abraçar mais uma nova frente de trabalho agora eu não conseguirei dar a atenção devida a X e Y e eles ficarão aquém do esperado. Então, eu não posso trabalhar com você nesse assunto agora – esse foi o NÃO. Mas, após dezembro, quando houver finalizado o projeto X e o projeto Y podemos retomar o assunto – esse foi o segundo SIM. O que te parece?”

Você vai me lembrar que em muitas situações o poder das pessoas envolvidas é distinto e dizer não para um colega de trabalho é muito diferente de dizer não para seu superior hierárquico na empresa, por exemplo. Claro, é mesmo!

Em discrepância de poder ainda é possível usar a técnica do NÃO POSITIVO para dizer um NÃO eficaz. Vamos pegar o mesmo exemplo, se a solicitação viesse do meu chefe e não de uma colega de trabalho eu poderia adaptar a resposta para: “Hoje eu estou focada em levar os projetos X e Y até seu final, conforme foi solicitado precisamos ter os entregáveis desses dois projetos até dezembro, se eu assumir mais uma nova frente de trabalho agora eu não conseguirei dar a mesma atenção a todos os projetos e eles ficarão aquém do esperado. Então, eu gostaria de saber qual dos dois projetos atuais será sacrificado para que possamos investir tempo nesse novo assunto agora?”. Dizer NÃO de forma eficaz e cortês é mais produtivo para o seu relacionamento e para a própria empresa do que acomodar o pedido e ter os resultados comprometidos. 

Esse exemplo que eu dei é simples e pontual, tente pensar em alguma situação sua, e pense no longo prazo, na falta de limites e de NÃOs eficazes no ambiente de trabalho e nos relacionamentos. Pense nas vezes em que você cedeu contrariado e o que esse SIM te custou, ou teve algum impacto negativo na própria empresa.

Na próxima vez em que você estiver em uma situação desafiadora lembre-se, o que nos falta, a meu ver, não é aprender a ceder e dizer SIM, o que nos falta coletivamente é coragem e ferramentas para dizer o NÃO POSITIVO, baseado em valores e limites, que aproxima pessoas, protege os macro objetivos coletivos e preserva a convivência pacífica no longo prazo.

Como um último exemplo, outro dia minha filha (6 anos) chegou em casa no momento em que eu terminava uma ligação de trabalho, ela me pediu atenção, eu disse que queria dar minha atenção completa a ela, mas que naquele momento isso não era possível, pois eu precisava terminar a reunião, disse a ela que assim que terminasse eu iria falar com ela sem distrações (usei a mesma estrutura SIM – NÃO – SIM). Ela me ouviu e esperou (confesso q fiquei até um pouco surpresa, ela tem somente 6 anos, esperar não é o forte desta faixa etária), ela entendeu que nossa conversa seria melhor depois que eu terminasse o que estava fazendo e ela confiou que eu daria a atenção prometida à ela em seguida. Ela aceitou o meu NÃO momentâneo, e ele fortalece nosso relacionamento muito mais do que seu eu tentasse acomodar as duas coisas, a ligação de trabalho e a atenção a ela, tentando dizer SIM a todas as solicitações daquele momento. Claro que a confiança dela na minha palavra também foi essencial, afinal ela confiou que eu faria o que prometi. Confiança é chave no funcionamento de um time esse pode ser o tema da nossa próxima conversa por aqui.

Ps.: esse conceito de NÃO POSITIVO é extraído do autor William Ury, autor americano, acadêmico, antropólogo e especialista em negociação. William é também co-fundador do Programa de Negociações na Universidade de Harvard nos EUA.

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